Sobre “Mulheres de Shakespeare”

Tudo, Menos Uma Crítica
3 min readMay 3, 2019

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Recorrentemente, o teatro se configura como um espaço de celebração. Vemos isso bastante no teatro musical, onde a homenagem a uma pessoa, um estilo ou uma década é capaz de inspirar um espetáculo, mas o fenômeno não está limitado a essa área — recentemente o Teatro FAAP recebeu uma montagem dramática e mezzo realista sobre o maestro João Carlos Martins, por exemplo.

O evento teatral como celebração é o mote de Mulheres de Shakespeare, em cartaz até dia 05 no Teatro Novo. Neste caso, a celebração acontece em pelo menos três níveis: a celebração ao feminino, a celebração à poética de Shakespeare e a celebração ao teatro em si.

Em cena, duas mulheres esperam pela chegada de um grande diretor e, ilhadas pela chuva torrencial, matam o tempo recordando passagens clássicas de Shakespeare — e da própria vida. Assim, a dramaturgia original usa falas de personagens como Ofélia e Lady Macbeth para acrescentar textura e profundidade às suas próprias personagens, num aceno à teoria de que a genialidade do autor inglês reside no fato de ele compreender as universalidades da alma humana e criar tramas capazes de reverberar em todos nós.

Neste sentido, a trama de Thelma Guedes também apela para questões universais: o envelhecimento, o medo do fracasso, a ingenuidade ou o cinismo perante um sonho, além de apresentar o arco dramático clássico onde dois personagens aparentemente muito diferentes reconhecem seus pontos de comunhão e aprendem com suas diferenças. Aparentemente, a técnica funciona a contento: as pessoas na plateia da sessão que eu assisti reagiam bastante às propostas da dramaturgia (as mulheres ao meu lado, por exemplo, reagiam muito às reflexões sobre as dificuldades de envelhecer).

As piadas também parecem surtir efeito, embora pareça que o espetáculo penda tanto para o humor que o lado mais trágico, quando desejado, sai prejudicado. Na sessão que eu assisti, o público riu tanto na cena das bruxas de Macbeth quanto no monólogo da Ofélia, o que não me parecia o intuito da produção. Não me parece o caso de dizer se isso é demérito do espetáculo ou insensibilidade da plateia, mas cabe apontar que existe esse desencontro entre as duas partes.

No mais, o elenco se sai bem no desafio proposto pela dramaturgia, de transitar entre tantos personagens e tons. Entrar e sair nos estados cênicos necessários para dar conta do monólogo final de Lady Macbeth e Ofélia realmente parece um exercício traiçoeiro, do qual Ana Guasque e Suzy Rêgo se saem com graça.

Sem grandes invencionices ou sem flertar tanto com as estéticas e procedimentos (dramatúrgicos ou cênicos) contemporâneos, Mulheres de Shakespeare parece bastante confortável com seu lugar de “teatrão” textocêntrico. Vale a pena salientar aqui que, embora o uso comum do termo “teatrão” seja pejorativo, referente a um teatro mais interessado na virtuose do ator em relação ao texto e mais conservador na encenação, não é o caso neste texto. De fato, Mulheres de Shakespeare é mesmo conservador e interessado numa postura mais clássica. Ainda assim, isso não é um problema, muito pelo contrário: o espetáculo parece ciente das escolhas que faz e do lugar que ocupa, da mesma forma que parece muito satisfeito com isso. A plateia também parecia satisfeita com essa proposta. Assim, se você também curte essa pegada, essa abordagem da obra de Shakespeare provavelmente vai te satisfazer também.

Mulheres de Shakespeare. Foto: Ary Brandi

FICHA TÉCNICA
Direcão: Luke Dixon
Texto: Thelma Guedes
Atrizes: Ana Guasque e Suzy Rêgo
Assistente de Direção: Kyra Piscitelli
Direção Musical: Sérvulo Augusto
Cenógrafo: Augusto Vieira
Figurinista: Silvana Carvalho e Assistente
Fotógrafo: Ary Brandi
Coordenação de Projeto: Ana Guasque
Assistente de Produção: Isadora Mazon, Malu Guasque
Conteúdo Pedagógico para Formação de Plateias: Kyra Piscitelli
Monitoria de Formação de Plateias: Kyra Piscitelli
Assessoria de Imprensa: Pombo Correio
Contabilidade: Suprema Associados
Assessoria Jurídica: Marise Gomes Siqueira
Idealização e Realização: Ana Guasque Artes & Entretenimentos
Patrocínio: Lojas Renner

SERVICO
Mulheres de Shakespeare, de Thelma Guedes Teatro Novo — Rua Domingos de Moraes, 348, Vila Mariana
Temporada: de 12 de abril a 5 de maio. Sextas e sábados, às 21h; domingos, às 19h
Ingressos: Sextas-feiras — R$40 (inteira) e R$20 (meia-entrada); sábados e domingos — R$60 (inteira) e R$ 30 (meia-entrada)
Vendas pela Ingresso Rápido Informações: (11) 3542–4680
Capacidade: 481 lugares
Classificação: 12 anos
Duração: 70 minutos

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textos reflexivos de Fernando Pivotto sobre teatro que são tudo, menos uma crítica

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