Sobre “Eu Sei Exatamente Como Você Se Sente”
No começo desse ano, começaram a pipocar na minha timeline memes sobre o que era gay culture. Coisas do tipo: “gay culture é chamar outras gays de senhora” ou “gay culture é chamar de amigo quando quer pegar e amiga quando não”, passando por “ gay culture é não poder abrir a galeria de fotos perto de alguém por medo de aparecer uma piroca” e “gay culture é você esperar pela continuação do clip de telephone da lady gaga com a beyonce mesmo 8 anos após o seu lançamento”.
Existem outros exemplos: gay culture é usar o mictório pra se aliviar ou pra flertar; gay culture é apresentar o peguete pros familiares como se fosse um amigo; gay culture é andar de mãos dadas com o namorado, mas soltar quando alguém suspeito começa a encarar; gay culture é depender de políticas públicas de saúde e segurança específicas; gay culture é viver num mundo em que ser gay é considerado ruim — e, ao mesmo tempo, faz parte da cultura gay ressignificar esse significado pejorativo.
Dessa forma, Eu Sei Exatamente Como Você Se Sente, espetáculo costurado a partir de alguns monólogos do dramaturgo Neil Barlett, explana sobre alguns aspectos da vida gay contemporânea: o que é conviver com HIV, o que significa envelhecer, quais são as configurações de família ditas normais e quais são suas variáveis, a quais tipos de violência estamos sujeitos unicamente por sermos gays, quais são as redes de segurança que nos amparam.
Faz parte da poética de Bartlett ir na contramão da grandiloquência, elaborando estruturas narrativas que colocam o ator, a voz e a palavra em primeiro plano. Assim, Eu Sei Exatamente Como Você Se Sente resulta num espetáculo textocêntrico (sem juízo de valor quanto a isso) e que depende muito das performances dos intérpretes Fabio Redkowicz, Paulo Olyva, Pedro Silveira e Zé Henrique de Paula.
Da minha parte, acho ótima a ideia de propor um teatro essencial, sem desvios ou distrações do que realmente importa: as ideias investigadas e os atores que as investigam. Contudo, acho que a costura dos monólogos em dado momento acaba se tornando meio repetitiva, sendo um ator falando e os outros três ouvindo; depois outro toma a frente e os outros três ouvem; depois o seguinte e por aí vai. Se esta é uma estrutura que, por um lado confia muito na dramaturgia e nos atores (vale destacar a sutileza e a complexidade com as quais Fabio Redkowicz trabalha), por outro ela acaba criando becos sem saída que, eventualmente, diluem a força do evento — nos momentos em que essa estrutura é levemente subvertida, o espetáculo ganha mais fôlego.
Isto é mais uma escolha do que um defeito, que fique claro. Mas é uma escolha sobre a qual eu fiquei pensando para casa na volta.
Outra coisa sobre a qual eu fiquei pensando sobre é o tom do espetáculo — li alguns textos sobre como o tom era pessimista ou melancólico (sobretudo em comparação com Ou Você Poderia Me Beijar, montagem interior do Núcleo Experimental a partir de um texto de Bartlett— e eu sei, não deveríamos comparar, mas é inevitável)
Eu não tenho certeza se pessimista ou melancólico é a palavra que eu usaria, do mesmo modo que não me parece que é o objetivo do Núcleo. Me parece mais que Eu Sei Exatamente Como Você Se Sente é agridoce, pontuando os momentos difíceis da vivência homossexual, mas também a força que temos para viver apesar deles.
Neste sentido, espetáculos como este são importantes por jogar luz em vivências marginais e comumente associadas à caricatura, ao alívio cômico ou ao indivíduo que morre no final, solitário, doente ou assassinado. Iniciativas como esta adicionam textura, variedade e profundidade àquilo que comumente é tratado de modo nivelado e cartunesco: todos os gays são iguais, com o mesmo comportamento, voz, corpo e a mesma função social (sempre coadjuvante de narrativas heterossexuais).
Talvez minha vivência seja em alguns momentos distinta das vivências descritas no espetáculo, e talvez o tom das minhas experiências não seja o mesmo do tom da encenação mas, ao mesmo tempo, certas passagens estão sincronizadas com momentos da minha vida, e é fácil se identificar com certas coisas levadas à cena — o armário, o medo da violência, o novo significado de “constituir família” etc.
Se o teatro é o local onde nos encontramos para falar de nós mesmos e das questões da nossa sociedade, iniciativas como Eu Sei Exatamente Como Você Se Sente são uma boa oportunidade para que possamos debater sobre o que é ser gay num dos países mais perigosos para nós.
FICHA TÉCNICA
Textos: Neil Barlett
Direção: Inês Aranha e Zé Henrique de Paula
Direção Musical: Rafa Miranda
Elenco: Fabio Redkowicz, Paulo Olyva, Pedro Silveira e Zé Henrique de Paula
Músicos: Rafa Miranda (piano) e Felipe Parisi (violoncelo)
Iluminação: Fran Barros
Cenografia e visagismo: Zé Henrique de Paula
Produção: Claudia Miranda
Assessoria de imprensa: Pombo Correio
SERVIÇO
Eu sei exatamente como você se sente
Teatro do Núcleo Experimental — Rua Barra Funda, 637 — Barra Funda
Temporada: de 8 a 24 de fevereiro
Às sextas e aos sábados, às 21h; aos domingos, às 20h
Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia-entrada)
Classificação: 14 anos
Duração: 70 minutos
Capacidade: 65 lugares
Informações: (11) 3259–0898