Sobre “Cavucada — A Festa Não Será Amanhã” I Bienal Sesc de Dança

Tudo, Menos Uma Crítica
3 min readSep 29, 2023

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Cavucada — A Festa Não Será Amanhã, da Cia Dançurbana. Foto: divulgação

Quais motivos você tem para celebrar? O que te mobiliza à festa?

Chegar aos vinte anos de atividade parece ser um bom motivo: não à toa, a Cia Dançurbana cita isso logo no começo de Cavucada — A Festa Não Será Amanhã , festa-espetáculo performado-festejado no Ponto de Encontro da Bienal Sesc de Dança.

Mas a longevidade da companhia não é o único motivo que une dançarinos e espectadores na pista. Cada uma das corpas ali presentes tem seus próprios motivos para se juntar ao fervo: seja a felicidade de estar na Bienal, a felicidade de estar junto, seja algum motivo específico ou seja simplesmente o fato de estar acontecendo uma festa (afinal, é lá preciso motivo pra festejar?)

Borrando as fronteiras entre palco/plateia, a Dançurbana celebra entre si e conosco: tudo, eventualmente, virará uma festa única, uma celebração coletiva. Há urgência na celebração afinal, como o título proclama, a festa não será amanhã.

Há algo de inegociável nesta afirmação: a festa não será amanhã porque a queremos hoje; porque a invocamos hoje; porque a instauramos no agora, com aqueles que estão agora conosco — e é isso que possibilitará que haja também festa amanhã.

A festa que a Dançurbana propõe se retroalimenta: dançam celebrando a dança. Sua diversidade de corpos e corpas celebra a diversidade de corpos e corpas. Na festa-performance, executam passos, posturas e visualidades presentes no próprio repertório da companhia, e incorporam outras linguagens e possibilidades do dançar: trazem o brega funk (ao qual a cavucada do título faz menção), trazem o hip hop e o vogue. É lindo ver uma mana de saltão, facekini, lace longuérrima arrasando no espaço cênico-pista de dança, porque é foda ver essa cultura sendo enaltecida — e ela merece ser muito enaltecida, seja por sua potência estética e técnica, seja pelo seu lastro cultural e político, e seu histórico de resistência.

Cavucada — A Festa Não Será Amanhã, da Cia Dançurbana. Foto: divulgação

É lindo ver corpas, identidades, técnicas e estéticas povoando a pista de dança-espaço cênico em todas suas multiplicidades e pluralidades porque, afinal, celebrar essa diversidade de existências é uma ação política.

Celebrar as existências não-hegemônicas, dissidentes, é urgente hoje porque, historicamente, elas não foram celebradas o suficiente. Numa sociedade que ainda nos diz, para fins de consumo, de movimentação do capital e de manutenção das estruturas de poder, como os corpos devem ser, como devem agir, com quais corpos devem se relacionar, e de qual forma essas relações devem acontecer, celebrar a diversidade se torna urgente.

Numa sociedade que ainda pauta quais corpos podem dançar, e como, instaurar uma celebração das diversas possibilidades do dançar — dançar no palco, dançar na pista, dançar com outres, dançar em si mesme -, é uma estratégia para interromper a manutenção das estruturas de poder, é um jeito de corroer as estruturas e, a partir desta corrosão, permitir que novas organizações sociais (e novas possibilidades poéticas) possam surgir.

A festa não será amanhã porque precisamos dançar agora, festejar agora, estar juntes agora, somar nossas pulsões de vida agora para que, quando o amanhã se tornar hoje, possamos continuar a festa noite adentro, futuro adentro.

O que te mobiliza à festa? E com quem você festeja?

O Tudo, Menos Uma Crítica viajou a Campinas a convite do Sesc São Paulo para acompanhar a Bienal Sesc de Dança de 2023.

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Written by Tudo, Menos Uma Crítica

textos reflexivos de Fernando Pivotto sobre teatro que são tudo, menos uma crítica

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