crítica isolada #3 curta, comente, compartilhe (sim, esse é o título do texto)

Tudo, Menos Uma Crítica
7 min readApr 5, 2021

Faço parte de uma geração de críticos de passagens breves (ou nenhuma) por “grandes veículos”, como jornais ou revistas. Ao contrário: sou de um grupo da “mídia alternativa”, que começou e mantém sua escrita em sites, blogs, revistas eletrônicas ou outros suportes.

De 2020 para cá, comecei a me interessar pelo Instagram: minhas críticas passaram a ser publicadas exclusivamente nesta rede social, e com o formato de carrosséis típico da plataforma. O intuito é simples: quero testar um conteúdo e uma comunicação visual diferentes do que experimentava no Medium e demais apps/redes que privilegiam a palavra, e quero ver se é possível dialogar com públicos que teriam menos propensão em acessar um site específico para ler o que eu escrevo — é muito mais simples que quem me segue no Instagram leia minhas reflexões direto no post (não na legenda, mas no próprio post) do que clicar no link na bio para ler em um outro site algo que anunciei no Instagram. Tem a ver, portanto, com (tentar) diminuir as distâncias.

Como disse no texto #2 do Crítica Isolada, escrever, para mim, surge da vontade de estar junto: escrever é convidar as pessoas para conversar comigo. Assim, me pareceu mais natural conversar com as pessoas no lugar em que elas estão do que falar “oi pessoal que está aqui, venha conversar comigo lá.”, e tem dado certo: as pessoas têm conversado mais comigo.

Se estar nesta onda de críticos/as/es que escrevem diretamente na e para a Internet trouxe diversos benefícios, tais quais liberdade editorial, de linguagem e de periodicidade, sem precisar da aprovação de um editor dentro de um jornal, dentro de uma editora, dentro de um conglomerado, traz também outros desafios: agora, em certa medida, eu trabalho não para um editor de carne e osso, mas para os algoritmos de uma rede social. Não posso discutir, argumentar, negociar, convencer — ou eu sigo as políticas da comunidade e me encaixo na lógica do algoritmo, ou meu perfil é desidratado ou excluído.

Talvez você não saiba o que são algoritmos. Permita-me copiar o Oxford Languages do Google, que diz que algoritmos são o “conjunto das regras e procedimentos lógicos perfeitamente definidos que levam à solução de um problema em um número finito de etapas.”

Ou podemos dizer simplesmente que são a estrutura de regras e o conjunto de dados (incluindo aqui a coleta e o processamento deles) que regem as redes sociais, definindo, por exemplo, o que e em qual ordem aparecerá no seu feed, baseado no seu perfil de interações.

Não só os algoritmos definem seu comportamento de forma passiva — ou seja, o que você recebe no feed — mas também de forma ativa: ele mede, por exemplo, quantas postagens no feed ou nos Stories você deve fazer, diária e semanalmente, a fim de manter sua relevância na rede. Também ele mede quantos comentários, salvamentos, compartilhamentos e likes seu post teve (e a média semanal dessas reações) para julgar se seu conteúdo é ou não relevante o suficiente para aparecer em outros feeds.

Funciona assim: se você posta pouco, poucas pessoas veem; se você posta com maior frequência e mais gente vê o conteúdo que você produziu, então cada vez mais pessoas precisarão curtir, compartilhar e salvar seus posts, a fim de que o algoritmo entenda que deve continuar te publicando na linha do tempo destas e de outras pessoas com perfis similares.

Esta lógica serve a dois propósitos: fazer uma curadoria de conteúdo relevante na linha do tempo de cada usuário — embora quem defina o que é relevante é o mecanismo de análise e projeção de dados, não o usuário em si — e garantir que as pessoas passem mais tempo gerando conteúdo para as redes, a fim de que mais gente passe mais tempo no app consumindo os conteúdos produzidos. Quanto mais pessoas passam mais tempo nas redes sociais e mais elas geram dados para aperfeiçoar o machine learning, melhor as redes e aplicativos conseguem vender anúncios personalizados e lucrar.

Há alguns problemas neste padrão, você já deve ter percebido. Alguns deles são: se são algoritmos quem decidem o que nós consumimos, como evitar o viés de confirmação em que só recebemos opiniões e conteúdo que corroboram com nosso jeito de pensar e de compreender o mundo? E se tudo que é julgado “relevante” é aquilo que tem mais engajamento, como produzir conteúdo para além da lógica da visualização?

Pensemos na crítica: é possível produzir, nas redes sociais, material reflexivo que consiga se desvencilhar da lógica da viralização?

Não tenho a resposta para isso.

Mas posso compartilhar algumas outras perguntas que têm povoado a minha mente naquele abismo de tempo entre terminar de subir o rascunho de um post e finalmente apertar “publicar”.

Em primeiro lugar e seguindo a lógica dos algoritmos, me pergunto: o que há de engajável no que estou postando? O que aqui é convidativo a compartilhado ou comentado?

Mas pensar assim não é atribuir à crítica uma função viral? Não é limitá-la a um call-to-action? Não nos convida a um modelo de postagens que evoca grandes apelos emocionais, com frases de efeito rapidamente legíveis, que se destaquem em meio ao scroll devido ao seu formato (cores chamativas, frases curtas, imagens que cativem a atenção) e ao seu conteúdo potencialmente sensacionalista?

Como encontrar um equilíbrio entre ser suficientemente cativante, sem ser sensacionalista, e produzir conteúdo suficientemente denso sobre os espetáculos que assisto e poroso o suficiente para que as pessoas queiram se juntar à conversa que proponho?

Quais perguntas quero fazer, genuinamente, a quem me lê, justamente porque quero que me respondam, quero que me ajudem a construir coletivamente, e não só como gatilho para comentários que aumentem a relevância do meu post?

Me debruço sobre estas questões — sem chegar em solução nenhuma e muito menos aqui, neste texto — como exercício de manutenção do perfil.

Se as redes sociais nos impõem um ritmo acelerado, de postagem constante, de scroll contínuo no feed, de Stories que são consumidos sem som e pulados com um toque do polegar; se as redes são arquitetadas tanto ao redor da nossa ansiedade e imediatismo quanto ao redor do sistema de recompensas do nosso cérebro, que nos inunda de dopamina a cada like ou comentário positivo; se tudo é acelerado e altamente estimulante e nossa atenção é tão facilmente dispersa; e se precisamos nos manter ativos nas redes se quisermos continuar ativos nas redes, então como instaurar um momento de quietude e contemplação?

Como lidar com a velocidade das redes sem perder qualidade de conteúdo? Como garantir a instauração de espaços de diálogo e reflexão que interrompam o scroll? Como convidar alguém à conversa dentro desta arquitetura?

Esta é a pergunta paradoxal que me faço: como interromper o fluxo veloz das redes a fim de instaurar um tempo de leitura e reflexão outro?

Claro, nem tudo é sombra nas redes sociais. Se estou nelas, é porque algo ali se demonstra possível de ser ocupado. As pessoas que seguem o Tudo, Menos Uma Crítica comentam nos posts, falam sobre as peças sobre as quais escrevo. Há algum tipo de diálogo rolando seja em comentários, DMs ou compartilhamentos nos Stories.

Se o diálogo ao qual a crítica se propõe, via de regra, é assíncrono — primeiro acontece a peça, depois escreve-se a crítica, depois lê-se e responde-se a ela –, a velocidade das redes ajuda a diminuir o vão entre todas estas instâncias: pode-se responder a quem escreveu direto no post, sem precisar enviar cartas às redações. Pode-se contribuir, refutar ou concordar com a opinião de terceiros na sessão de comentários. Artistas e público podem dialogar na postagem, ou na repostagem, a partir das questões levantadas na crítica.

Porém, o desafio de captar a atenção, tornar-se “engajável” e manter convites e perguntas coerentes e interessantes para o leitor é algo com o qual teremos que lidar, como manutenção do ofício daqueles que quiserem continuar a explorar as redes e suas métricas.

Como já disse, escrever, para mim, surge da vontade de estar junto. Estar em grupo ao redor da peça. As redes sociais têm ajudado a preencher alguns vãos e distâncias, pelo menos no caso do Tudo, Menos Uma Crítica, ao mesmo tempo em que cria outros.

Como dialogar com outros perfis de crítica é uma pergunta/vão que sinto que gostarei de responder/preencher no futuro. Me incomoda que apareça tão pouco no meu feed o que o Filé de Críticas e o Quarta Parede têm publicado, por exemplo. Que curadoria algorítmica é essa que não coloca as postagens de colegas no meu feed? Quantos pensamentos e construções críticas não perco porque determinado algoritmo decidiu que não era relevante para mim?

O mesmo vale para perfis de artistas: quantas obras, ações, atravessamentos não chegam a mim por causa de determinada métrica? Mesmo dentro da minha bolha, o quanto de coisa não estou perdendo?

Quais novas barreiras surgem nesta pretensa democratização oferecida nas redes? Quais tipos de tecnologias, conhecimento técnico e tempo devotado à manutenção de uma @ serão necessários para gerar o unicórnio do engajamento orgânico que poderá impulsionar perfis? Quão remunerados são este trabalho, este conhecimento técnico e este tempo investido?

Se estamos no nicho do nicho (as artes -> as artes cênicas -> as artes cênicas outras que não a dos grandes empreendimentos) e, portanto, jamais alcançaremos a marca das centenas de milhares de seguidores, a ponto de sermos realmente influenciadores, com alcance suficiente para ganharmos patrocínio e fazermos #publi, como podemos cogitar remuneração pelo tempo investido e conteúdo gerado?

E o que está à venda nestes perfis? Se a fonte de renda principal dos influencers é a venda de produtos em posts pagos, esta é a lógica que artistas e críticos deverão seguir também, seja ela a venda de ingressos e obras ou de banners e divulgação?

Se estamos no nicho do nicho, e ainda assim reconhecemos a importância de se estar nas redes sociais, como vitrine e meio de manutenção das relações com o público, como pensar na remuneração de artistas e críticos, ao mesmo tempo em que pensamos em lógicas que não a do capitalismo selvagem?

Naturalmente, não estou nem perto de encontrar estas respostas. Enquanto não as encontro, por favor, curta, comente e compartilhe este post.

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